*Corina Post
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã...
Para Hélio Post, meu pai, saudades...
Para Hélio Post, meu pai, saudades...
A história da humanidade nos mostra que o objetivo da vida, na fantasia do homem, é alcançar a felicidade e a segurança. Ao mesmo tempo, parece que a natureza, o destino ou os Deuses tem outro sentido que se interpõe diante desta fantasia. Ésquilo, há 2.500 anos, observou que os Deuses determinaram que é através do sofrimento que alcançaríamos a sabedoria, o conhecimento.
Para Hollis, grande parte da tradição mitológica e religiosa, junto com a Psicologia Junguiana, afirma que são os lugares escuros, os pantanais da alma, as savanas do sofrimento, que fornecem o espaço para o encontro e a obtenção do significado, busca pela expansão da consciência, sabedoria de vida. (HOLLIS, 1998).
A Psicologia Junguiana é uma disciplina do desenvolvimento pessoal; oferece ao indivíduo uma perspectiva baseada na idéia de que a “meta da vida não é a felicidade, e sim o significado”. Viveríamos momentos de felicidade, que são efêmeros, pois não podemos criá-los apenas com a vontade, e nem mantê-los pela esperança.
James Hollis traduz que a Psicologia Junguiana não acredita na existência de nenhuma campina ensolarada, repousante, onde poderíamos descansar; existindo, ao contrário, lugares sombrios, pantanais da alma, onde esta seria forjada, fabricada; onde a nossa natureza é acessada durante grande parte do processo de individuação, produzindo os humos para muitos dos momentos mais significativos de nossa vida.
Acompanhado de perdas, sofrimentos e de dores, encontramos o propósito, a dignidade, e o mais profundo significado da vida. (HOLLIS, 1998). Observamos, também, que o sofrimento é o sentimento indispensável para o amadurecimento psicológico e espiritual, pois, sem ele, poderíamos permanecer inconscientes e infantis, dependentes de uma fantasia de eterna busca pela felicidade e segurança.
Para Hollis, Jung propõe que o sofrimento autêntico é uma reação realista às ásperas arestas da existência e que, o objetivo da terapia não é retirar o sofrimento, e sim, passar através dele, buscando uma consciência ampliada, sustentando a dolorosa e árdua tensão gerada pela oposição dos opostos.
Para Hollis, Jung propõe que o sofrimento autêntico é uma reação realista às ásperas arestas da existência e que, o objetivo da terapia não é retirar o sofrimento, e sim, passar através dele, buscando uma consciência ampliada, sustentando a dolorosa e árdua tensão gerada pela oposição dos opostos.
Carotenuto observou: “A psicoterapia não é a construção de modelos de acordo com os quais o sofrimento humano é canalizado e rotulado; ela é o exame do sofrimento, a descoberta da densa trama da correspondência entre os eventos externos e internos que constituem cada vida”. (Carotenuto in HOLLIS, 1998, p. 12).
Os sintomas, na maioria das vezes, trazem sofrimento. Podemos considerá-los expressões de um desejo de cura; necessitamos, então, compreender a ferida, o ponto que eles representam. Podemos entender que o sofrimento pode favorecer muito para o crescimento, amadurecimento e expansão da consciência.
O trabalho da Psicologia Junguiana é com a realidade do inconsciente. Podemos dizer que poucas psicologias reconhecem a profundidade desta força autônoma. Esta força atua tanto internamente como externamente. Muitos de nossos medos e inseguranças, como as mensagens infantis de vulnerabilidade, impotência diante do ambiente, e dependência, ficam em oposição à idéia de liberdade e responsabilidade pessoal.
Para Hollis, é necessário que possamos caminhar em alinhamento com esta força interna, estar ligado a uma verdade profunda, à natureza da nossa natureza. Entrando em contato com esta verdade, com nossa essência, o Eu, poderemos amenizar o medo do abandono e os medos infantis. (HOLLIS, 1998).
“A maturidade implica não tanto evitar sermos abandonados, e sim nós abandonarmos a algumas ilusões. Se conseguirmos suportar a ansiedade da solidão, novos horizontes se abrirão para nós e finalmente aprenderemos a existir independentemente dos outros”. (Carotenuto in HOLLIS, 1998, p. 14). Pode nos soar óbvia essa noção de maturidade, de independência, mas, se olharmos com cuidado, passamos grande parte de nossa vida tentando evitá-la, fugindo da ansiedade de estarmos conscientes, encarnados em nós mesmos, e expostos para o mundo.
Nas palavras de Jung: “A vida natural é o solo em que se nutri a alma. Quem não consegue acompanhar essa vida, permanece enrijecido e parado em pleno ar. É por isto que muitas pessoas se petrificam na idade madura, olham para trás e se agarram ao passado, com medo secreto da morte no coração. Subtraem-se ao processo vital, pelo menos psicologicamente, e por isto, ficam paradas como colunas nostálgicas, com recordações muito vívidas do seu tempo de juventude, mas sem nenhuma relação com o presente. Do meio da vida em diante, só aquele que se dispõe a morrer conserva a vitalidade, porque na hora secreta do meio-dia da Vida inverte-se a parábola e nasce a morte”. (JUNG, vol. 8. § 800)
Nossa consciência, “o ego”, sempre que possível, recusa a aceitar esta verdade inegável: a mortalidade, as perdas naturais da vida.
O projeto central do ego é a segurança, que se opõe à força do material inconsciente e às forças das energias do exterior. O ego se torna, de acordo com Hollis, “uma mulher nervosa correndo de um lado para o outro na sala-de-visita da vida, arrumando a bagunça, tirando o pó, tornando ainda mais desconfortável para ser visitada”; fica o ego com seu projeto, o desejo inevitável, obsessivo de segurança, controle e cessação dos conflitos. (HOLLIS, 1998).
Dentro da Psicologia Junguiana, procura-se que o ego possa exercer o papel adequado de manter um relacionamento com o Eu, com o mundo, existindo um diálogo, permanecendo aberto, o mais consciente possível, flexível e disposto a negociar.
Dentro da Psicologia Junguiana, procura-se que o ego possa exercer o papel adequado de manter um relacionamento com o Eu, com o mundo, existindo um diálogo, permanecendo aberto, o mais consciente possível, flexível e disposto a negociar.
O processo de individuação propicia um diálogo contínuo e permanente entre ego e Eu, mas que, na maioria das vezes, sofre interferência, dificultando e muitas vezes até interrompendo essa comunicação.
Neste diálogo, Hollis chama o Eu de “matriz com vontade própria”, simultaneamente teleológica e contextual, propósito e recipiente. (HOLLIS, 1998).
A meta da individuação é a totalidade, e não uma auto-absorção narcisista. A tarefa da individuação não é necessariamente a bondade, a pureza ou a felicidade, mas para Hollis, a manifestação dos desígnios mais amplos da natureza. A partir do sentido, experienciamos o mistério da vida. Este não pode ser revelado por completo, pois deixaria de ser mistério. Deve ser vivenciado.
A busca de sentido, este impulso é frequentemente doloroso e vem acompanhado de perdas, é autônomo e não podemos controlar. A individuação proporciona uma expansão da consciência, não sobrando espaço para o “conforto casual da inocência”.
Para Hollis, nenhuma pessoa consciente pode se dizer inocente, existindo a necessidade do reconhecimento, aceitação da responsabilidade pelas consequências de suas escolhas, por mais inconscientes que elas tenham sido na ocasião. (HOLLIS, 1998).
Perda da inocência, o afastamento necessário da ingenuidade, das escolhas desprovidas de consequências.
O fato de assumir a responsabilidade pela minha escolha é também declarar que eu errei, sendo culpado pelas dolorosas consequências. Isto é o começo para a sabedoria e o caminho para a libertação.
Perda da inocência, o afastamento necessário da ingenuidade, das escolhas desprovidas de consequências.
O fato de assumir a responsabilidade pela minha escolha é também declarar que eu errei, sendo culpado pelas dolorosas consequências. Isto é o começo para a sabedoria e o caminho para a libertação.
Para assumir a responsabilidade é necessário aprender a lidar com a própria sombra. Perder uma visão unilateral de si. O processo ainda exige que aceitemos a nossa imperfeição, inconsciência. Perda da “imagem de perfeição”.
Muitas vezes, a perda de um ente querido pode se tornar um catalisador para um reexaminar da própria vida. Para compreender a profundidade dessa experiência, é preciso que o indivíduo entenda que sua verdadeira perda fora a perda da sua integridade psíquica, sendo a dor da perda da alma. É necessária a dor para estimular a enfrentar a alienação em relação a si mesmo.
Habitando estes sombrios pantanais, trabalhando nossas dolorosas feridas, poderemos ser capazes de recuperar a vida que fomos destinados a ter – a nossa própria.
O tema perda está presente em todas as culturas, nas letras de músicas, nas preces, nas mitologias (dramatizando a sensação de perda e desconexão). Ao falarmos de perda, estaremos nos referindo à perda de segurança, de ligação, de inconsciência, de inocência, a perda de companheiros, entes queridos, de energias físicas, de estágios de identificação do ego e tantas outras perdas...
O tema perda está presente em todas as culturas, nas letras de músicas, nas preces, nas mitologias (dramatizando a sensação de perda e desconexão). Ao falarmos de perda, estaremos nos referindo à perda de segurança, de ligação, de inconsciência, de inocência, a perda de companheiros, entes queridos, de energias físicas, de estágios de identificação do ego e tantas outras perdas...
A perda é, de fato, a nossa condição humana, como afirma Rilke: “Vivemos, portanto, eternamente dizendo adeus. O adeus é para as pessoas, para os estados de existência, para momentos da separação”. (Rilke in HOLLIS, 1998, p. 58).
Nosso sofrimento é diretamente proporcional às nossas perdas. A única atitude para que possamos ir além desse sofrimento, de acordo com Buda, é a renúncia do desejo de controlar, é entregar-se, alinhar-se à natureza, pois somos parte desta. (Buda in HOLLIS, 1998).
Esse movimento não nos torna escravos da perda, e sim participantes do ato da entrega. Não se perde o que já está dentro. Necessitamos afirmar o valor (do que, ou de quem se perde) em meio à perda, pois se extrai profundo significado, restabelecendo o valor, mantendo, guardando o tesouro da memória de quem ou do que se perdeu.
Esse movimento não nos torna escravos da perda, e sim participantes do ato da entrega. Não se perde o que já está dentro. Necessitamos afirmar o valor (do que, ou de quem se perde) em meio à perda, pois se extrai profundo significado, restabelecendo o valor, mantendo, guardando o tesouro da memória de quem ou do que se perdeu.
Jung propõe que: “A realização da personalidade... é um ato de muita coragem lançado na face da vida, a afirmação absoluta de tudo que constitui o indivíduo, a adaptação mais bem-sucedida das condições universais da existência aliada à maior liberdade possível para a autodeterminação”. (JUNG, vol. 17, § 289).
Por fim, acredito que não devemos buscar soluções de problemas, pois a vida, nós, não somos um problema para ser solucionado, e sim uma vida para ser experienciada, vivida, transformada.
Através das perdas, do sofrimento, da dor, extraímos um significado profundo, que é gratificante e é o seu próprio valor. Não podemos controlar ou evitar este processo, ou as decidas aos pantanais da alma, mas podemos entendê-los pelo valor, sentido o que eles naturalmente representarão.
Através das perdas, do sofrimento, da dor, extraímos um significado profundo, que é gratificante e é o seu próprio valor. Não podemos controlar ou evitar este processo, ou as decidas aos pantanais da alma, mas podemos entendê-los pelo valor, sentido o que eles naturalmente representarão.
*Psicoterapeuta Junguiana
(Instituto Junguiano do Rio Grande do Sul)
Bibliografia
BARCELOS, Gustavo. Vôos e Raízes, ensaios sobre psicologia arquetípica, imaginação e arte. São Paulo, Agora, 2006.
HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma, nova vida em lugares sombrios. São Paulo, Paulus, 1998.
JUNG, C. G. A natureza da Psique. O. C. Vol. VIII/2. Petrópolis, Vozes, 2000.
JUNG, C. G. Desenvolvimento da Personalidade. O. C. Vol. XVII. Petrópolis, Vozes, -----
JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Vol. IX/1. Petrópolis, Vozes, 2000.
PEDRAZA, Lopes. Projeto Éden. São Paulo, Paulus,-------