sábado, 26 de novembro de 2011

A natureza da perda na construção da alma humana

 *Corina Post


É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã...

Para Hélio Post, meu pai, saudades...


A história da humanidade nos mostra que o objetivo da vida, na fantasia do homem, é alcançar a felicidade e a segurança. Ao mesmo tempo, parece que a natureza, o destino ou os Deuses tem outro sentido que se interpõe diante desta fantasia. Ésquilo, há 2.500 anos, observou que os Deuses determinaram que é através do sofrimento que alcançaríamos a sabedoria, o conhecimento.
            Para Hollis, grande parte da tradição mitológica e religiosa, junto com a Psicologia Junguiana, afirma que são os lugares escuros, os pantanais da alma, as savanas do sofrimento, que fornecem o espaço para o encontro e a obtenção do significado, busca pela expansão da consciência, sabedoria de vida. (HOLLIS, 1998).
            A Psicologia Junguiana é uma disciplina do desenvolvimento pessoal; oferece ao indivíduo uma perspectiva baseada na idéia de que a meta da vida não é a felicidade, e sim o significado. Viveríamos momentos de felicidade, que são efêmeros, pois não podemos criá-los apenas com a vontade, e nem mantê-los pela esperança.
            James Hollis traduz que a Psicologia Junguiana não acredita na existência de nenhuma campina ensolarada, repousante, onde poderíamos descansar; existindo, ao contrário, lugares sombrios, pantanais da alma, onde esta seria forjada, fabricada; onde a nossa natureza é acessada durante grande parte do processo de individuação, produzindo os humos para muitos dos momentos mais significativos de nossa vida.
            Acompanhado de perdas, sofrimentos e de dores, encontramos o propósito, a dignidade, e o mais profundo significado da vida. (HOLLIS, 1998). Observamos, também, que o sofrimento é o sentimento indispensável para o amadurecimento psicológico e espiritual, pois, sem ele, poderíamos permanecer inconscientes e infantis, dependentes de uma fantasia de eterna busca pela felicidade e segurança.
Para Hollis, Jung propõe que o sofrimento autêntico é uma reação realista às ásperas arestas da existência e que, o objetivo da terapia não é retirar o sofrimento, e sim, passar através dele, buscando uma
consciência ampliada, sustentando a dolorosa e árdua tensão gerada pela oposição dos opostos.
            Carotenuto observou: A psicoterapia não é a construção de modelos de acordo com os quais o sofrimento humano é canalizado e rotulado; ela é o exame do sofrimento, a descoberta da densa trama da correspondência entre os eventos externos e internos que constituem cada vida. (Carotenuto in HOLLIS, 1998, p. 12).
             Os sintomas, na maioria das vezes, trazem sofrimento. Podemos considerá-los expressões de um desejo de cura; necessitamos, então, compreender a ferida, o ponto que eles representam. Podemos entender que o sofrimento pode favorecer muito para o crescimento, amadurecimento e expansão da consciência.
            O trabalho da Psicologia Junguiana é com a realidade do inconsciente. Podemos dizer que poucas psicologias reconhecem a profundidade desta força autônoma. Esta força atua tanto internamente como externamente. Muitos de nossos medos e inseguranças, como as mensagens infantis de vulnerabilidade, impotência diante do ambiente, e dependência, ficam em oposição à idéia de liberdade e responsabilidade pessoal.
            Para Hollis, é necessário que possamos caminhar em alinhamento com esta força interna, estar ligado a uma verdade profunda, à natureza da nossa natureza. Entrando em contato com esta verdade, com nossa essência, o Eu, poderemos amenizar o medo do abandono e os medos infantis. (HOLLIS, 1998).
A maturidade implica não tanto evitar sermos abandonados, e sim nós abandonarmos a algumas ilusões. Se conseguirmos suportar a ansiedade da solidão, novos horizontes se abrirão para nós e finalmente aprenderemos a existir independentemente dos outros. (Carotenuto in HOLLIS, 1998, p. 14). Pode nos soar óbvia essa noção de maturidade, de independência, mas, se olharmos com cuidado, passamos grande parte de nossa vida tentando evitá-la, fugindo da ansiedade de estarmos conscientes, encarnados em nós mesmos, e expostos para o mundo.
              Nas palavras de Jung: A vida natural é o solo em que se nutri a alma. Quem não consegue acompanhar essa vida, permanece enrijecido e parado em pleno ar. É por isto que muitas pessoas se petrificam na idade madura, olham para trás e se agarram ao passado, com medo secreto da morte no coração. Subtraem-se ao processo vital, pelo menos psicologicamente, e por isto, ficam paradas como colunas nostálgicas, com recordações muito vívidas do seu tempo de juventude, mas sem nenhuma relação com o presente. Do meio da vida em diante, só aquele que se dispõe a morrer conserva a vitalidade, porque na hora secreta do meio-dia da Vida inverte-se a parábola e nasce a morte. (JUNG, vol. 8. § 800)
             Nossa consciência, o ego, sempre que possível, recusa a aceitar esta verdade inegável: a mortalidade, as perdas naturais da vida.
            O projeto central do ego é a segurança, que se opõe à força do material inconsciente e às forças das energias do exterior. O ego se torna, de acordo com Hollis, uma mulher nervosa correndo de um lado para o outro na sala-de-visita da vida, arrumando a bagunça, tirando o pó, tornando ainda mais desconfortável para ser visitada; fica o ego com seu projeto, o desejo inevitável, obsessivo de segurança, controle e cessação dos conflitos. (HOLLIS, 1998).
Dentro da Psicologia Junguiana, procura-se que o ego possa exercer o papel adequado de manter um relacionamento com o Eu, com o mundo, existindo um diálogo, permanecendo aberto, o mais consciente possível, flexível e disposto a negociar.
            O processo de individuação propicia um diálogo contínuo e permanente entre ego e Eu, mas que, na maioria das vezes, sofre interferência, dificultando e muitas vezes até interrompendo essa comunicação.
Neste diálogo, Hollis chama o Eu de matriz com vontade própria, simultaneamente teleológica e contextual, propósito e recipiente. (HOLLIS, 1998).
            A meta da individuação é a totalidade, e não uma auto-absorção narcisista. A tarefa da individuação não é necessariamente a bondade, a pureza ou a felicidade, mas para Hollis, a manifestação dos desígnios mais amplos da natureza. A partir do sentido, experienciamos o mistério da vida. Este não pode ser revelado por completo, pois deixaria de ser mistério. Deve ser vivenciado.
            A busca de sentido, este impulso é frequentemente doloroso e vem acompanhado de perdas, é autônomo e não podemos controlar. A individuação proporciona uma expansão da consciência, não sobrando espaço para o conforto casual da inocência.
            Para Hollis, nenhuma pessoa consciente pode se dizer inocente, existindo a necessidade do reconhecimento, aceitação da responsabilidade pelas consequências de suas escolhas, por mais inconscientes que elas tenham sido na ocasião. (HOLLIS, 1998).
Perda da inocência, o afastamento necessário da ingenuidade, das escolhas desprovidas de consequências.
            O fato de assumir a responsabilidade pela minha escolha é também declarar que eu errei, sendo culpado pelas dolorosas consequências. Isto é o começo para a sabedoria e o caminho para a libertação.
             Para assumir a responsabilidade é necessário aprender a lidar com a própria sombra. Perder uma visão unilateral de si. O processo ainda exige que aceitemos a nossa imperfeição, inconsciência. Perda da imagem de perfeição.
            Muitas vezes, a perda de um ente querido pode se tornar um catalisador para um reexaminar da própria vida. Para compreender a profundidade dessa experiência, é preciso que o indivíduo entenda que sua verdadeira perda fora a perda da sua integridade psíquica, sendo a dor da perda da alma. É necessária a dor para estimular a enfrentar a alienação em relação a si mesmo.
            Habitando estes sombrios pantanais, trabalhando nossas dolorosas feridas, poderemos ser capazes de recuperar a vida que fomos destinados a ter – a nossa própria.
O tema perda está presente em todas as culturas, nas letras de músicas, nas preces, nas mitologias (dramatizando a sensação de perda e desconexão). Ao falarmos de perda, estaremos nos referindo à perda de segurança, de ligação, de inconsciência, de inocência, a perda de companheiros, entes queridos, de energias físicas, de estágios de identificação do ego e tantas outras perdas...
            A perda é, de fato, a nossa condição humana, como afirma Rilke: Vivemos, portanto, eternamente dizendo adeus. O adeus é para as pessoas, para os estados de existência, para momentos da separação. (Rilke in HOLLIS, 1998, p. 58).
            Nosso sofrimento é diretamente proporcional às nossas perdas. A única atitude para que possamos ir além desse sofrimento, de acordo com Buda, é a renúncia do desejo de controlar, é entregar-se, alinhar-se à natureza, pois somos parte desta. (Buda in HOLLIS, 1998).
            Esse movimento não nos torna escravos da perda, e sim participantes do ato da entrega.
Não se perde o que já está dentro. Necessitamos afirmar o valor (do que, ou de quem se perde) em meio à perda, pois se extrai profundo significado, restabelecendo o valor, mantendo, guardando o tesouro da memória de quem ou do que se perdeu.
           Jung propõe que: A realização da personalidade... é um ato de muita coragem lançado na face da vida, a afirmação absoluta de tudo que constitui o indivíduo, a adaptação mais bem-sucedida das condições universais da existência aliada à maior liberdade possível para a autodeterminação. (JUNG, vol. 17, § 289).
            Por fim, acredito que não devemos buscar soluções de problemas, pois a vida, nós, não somos um problema para ser solucionado, e sim uma vida para ser experienciada, vivida, transformada.
Através das perdas, do sofrimento, da dor, extraímos um significado profundo, que é gratificante e é o seu próprio valor. Não podemos controlar ou evitar este processo, ou as decidas aos pantanais da alma, mas podemos entendê-los pelo valor, sentido o que eles naturalmente representarão.

*Psicoterapeuta Junguiana
 (Instituto Junguiano do Rio Grande do Sul)

Bibliografia

BARCELOS, Gustavo. Vôos e Raízes, ensaios sobre psicologia arquetípica, imaginação e arte. São Paulo, Agora, 2006.

HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma, nova vida em lugares sombrios. São Paulo, Paulus, 1998.

JUNG, C. G. A natureza da Psique. O. C. Vol. VIII/2. Petrópolis, Vozes, 2000.

JUNG, C. G. Desenvolvimento da Personalidade. O. C. Vol. XVII. Petrópolis, Vozes, -----

JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Vol. IX/1. Petrópolis, Vozes, 2000.

PEDRAZA, Lopes. Projeto Éden. São Paulo, Paulus,-------

sábado, 22 de outubro de 2011

O Auto-Despertar

Palestra proferida em chinês pelo senhor Yan, na noite de 1/10/2011, no Centro Holístico Carlos Augusto Bertelli Xavier.
Tradução por: Julia
Transcrição e correção por: Gilson.

Tema: O Auto-Despertar
Temática: Autoconhecimento


Abertura: Conceitos breves de bom e ruim”.

Somente o HOMEM, a partir de sua natureza racional e reflexiva, é capaz de definir o que é bom e o que é ruim em sua vida. O papel do auto-despertar é exatamente o de nos voltarmos à nossa Verdadeira Natureza, à nossa Essência Divina.
É por meio das ações de alguém, que podemos identificar se esse alguém é bom ou ruim, se seu coração é verdadeiro ou falso.

O primeiro passo básico que devemos seguir caso queiramos entrar no auto-despertar é:
1)     Analisar a nossa INTENÇÃO. Refletir e perguntar a nós mesmos: Que INTENÇÃO estamos tendo em nossos corações ao realizarmos nossas ações?
Este é apenas um dos princípios básicos do processo. Se desejamos realmente iniciar o caminho do auto-despertar, ele poderá parecer bastante difícil. Contudo, não nos será impossível.

Nossas intenções podem ser reveladas pelos nossos comportamentos, gestos e ações. Portanto, analisar nossos costumes, hábitos diários, atitudes e ações, é um dos passos básicos para todos nós que desejamos nos autoconhecer e iniciar o caminho do auto-despertar.
Exemplo: Por que uma pessoa fuma?
Várias poderiam ser as respostas: Fumo porque não tenho nada para fazer., Fumo porque estou nervoso., Fumo porque estou agitado., Fumo porque já estou acostumado a fumar., etc.
Mas existe uma resposta mais correta que a pessoa fumante poderia dar a esta pergunta: Fumo porque meu coração não tem dono.

Quem não é dono do próprio coração não somente fuma, como no exemplo citado, mas, também, come o tempo todo, bebe o tempo todo, fofoca o tempo todo, dorme o tempo todo, etc. Tal pessoa não sabe onde ela posiciona seu coração, e joga isso para as coisas externas, em forma de ações, de hábitos.
Nós não conhecemos nossos corações. Quase sempre nos apoiamos às coisas externas, de fora, e, com isso, as aflições vêm junto. Buscamos coisas exteriores exatamente por nos sentirmos insatisfeitos, descontentes interiormente, e, com isso, nossa vida se torna uma rotina sem objetivos.

Piadinha sobre o inferno
Um homem chegou ao inferno e lá lhe foi dito que ele passaria a eternidade apenas comendo e dormindo. Ele pensou: Nossa! Inferno é isto? Que maravilha! Não poderia haver vida melhor que esta!
Depois de algumas semanas, ele totalmente infeliz e insatisfeito desabafa: Que vida terrível esta aqui! Não consigo mais suportá-la!
Conclusão: Se não soubermos posicionar nosso coração, começar a nos autoconhecer, viver o auto-despertar, dar um sentido à vida, transcender o lugar comum, qualquer lugar onde estivermos ou chegarmos será um inferno.

Onde é o lugar que temos de posicionar nosso coração? (Pausa para refletir)
Muitas religiões ou grupos de estudos podem nos oferecer um objetivo, uma direção para a vida, desde que nos levem a fazer coisas boas e a ajudar aos outros.
Sabemos que temos de trabalhar para sustentar nosso corpo físico. Este é um fato. Mas somente isto não basta. Devemos ter em mente que nosso corpo tem, também, um Trabalho Divino a realizar, pois ele sustenta, comporta e está em função do Espírito.
Não podemos querer apenas elevar o nosso Espírito, mas, pelo contrário: devemos ajudar as outras pessoas a se elevarem espiritualmente junto conosco. Quem já conhece o céu e a iluminação deve apresentar também o caminho às outras pessoas.

Atualmente estamos vivendo muitas transformações: tanto do planeta quanto de nós mesmos. As calamidades, catástrofes e desastres que vemos com grande freqüência não são só problemas dos outros, mas nossos também, pois o Planeta Terra, como morada coletiva, é único, e estamos todos no mesmo barco.
Se tivermos a vontade sincera de elevarmos o nosso nível espiritual, o primeiro passo a que devemos nos dedicar é o de nos autoconhecer.

Três perguntas enfáticas para refletir:
1)     Devemos apenas trabalhar, comer e dormir em nosso dia-a-dia?
2)     Nossa mente só está concentrada no corpo físico?
3)     E no dia em que nós não tivermos mais este corpo físico, onde nós vamos posicionar nossos corações? Nosso espírito será apenas um objeto sem dono, apenas perambulando por este mundo?
(Pausa para reflexão e exposição das idéias)

Quando nosso Espírito vem se juntar ao nosso corpo físico, é natural pensarmos que este corpo físico seja eu. É natural eu pensar que eu sou o meu corpo físico. Mas, ao recebermos a Iluminação, ampliamos nossa visão sobre nós mesmos e vamos muito além deste conceito do eu físico.

ORIENTAÇÕES BÁSICAS PARA QUEM DESEJA INICIAR O AUTO-DESPERTAR E RECEBER A ILUMINAÇÃO:
·         Amar a si mesmo – Este amor implica em se enfrentar, em se confrontar constantemente ao longo do caminho.
·   Ampliar nosso Amor às nossas relações familiares mais próximas: pai, mãe, irmãos (preceitos do Confucionismo).
·      Ampliar nosso Amor às nossas relações parentais: tios, tias, etc. Todos os nossos familiares são parte de nossa própria essência e somos parte da própria essência deles.
·   Optar por tentar ser VEGETARIANO (Ser vegetariano é um passo de se praticar a misericórdia).
·         Quebrar o EGO, quebrar o eu inferior.
·         Comportar TODOS dentro dos nossos corações, pois TODOS são um símbolo de Deus.
·         Abrir-se ao processo de aprendizagem.
·         Ter a boa intenção de ajudar aos outros em suas necessidades.
·         Reflexão para mudar a ação.
·        Se não conseguimos identificar as sementes do nosso subconsciente, não conseguiremos mudar nossas ações. Eliminar a má semente.
·         Amar a TODOS (Todos os santos, budas têm o mesmo Amor por todos os seres humanos).
·         Estar presente em si mesmo a cada instante.
·         Rever erros, rever as próprias culpas.

A partir destas orientações básicas teremos uma requisição básica para estarmos mais próximos de Deus.
Itamogi – MG, 1/10/11.

domingo, 7 de agosto de 2011

O fenômeno da sincronicidade, segundo Jung


Quem faz o azar?

De repente, começa a chover em sua horta. A vida se torna uma inesperada e deliciosa cadeia de coincidências felizes. Ou então, pelo contrário, uma incômoda seqüência de azares: você bate o carro, tromba nos amigos,
se arrebenta no trabalho. Má vontade do destino? Dentro de uma visão junguiana de coincidência, há uma forma de viver que dá sorte. E outra que atrai os desastres...
Por Doucy Douek



Coincidência ou fenômeno?

A vida parece que está cheia de coincidências. Você está pensando numa pessoa e, de repente, ela aparece. Está falando do vizinho e justo ele telefona. Ou então encontra, por um tremendo acaso aquela pessoa que daí para frente vai ser fundamental estar em sua vida. Essas estranhas
coincidências às vezes se revelam positivas e você considera-se num período de sorte. E às vezes parece que tudo anda contra, é uma desgraça atrás da outra – um tempo de azar. E tanto a sorte como o azar são logo atribuídos ao destino, amigo ou cruel, como se entre o seu estado interior e os acontecimentos externos, bons ou maus, não pudesse haver nenhuma relação.

Ao estudar as coincidências, Jung chegou à conclusão de que elas não são tão casuais como parecem, e deu ao fenômeno o nome de sincronicidade. A principal característica da sincronicidade seria uma significativa relação entre uma vivência interior e um evento exterior: penso numa pessoa e ela telefona. Certa vez, uma paciente de Jung estava contando um sonho em que aparecia um escaravelho, justo naquele momento um escaravelho começou a esvoaçar contra a vidraça.

E daí para frente começou a pesquisar em profundidade o fenômeno da coincidência – ou sincronicidade.

Entendendo a sincronicidade

Para ele, existe a sincronicidade cada vez que um fenômeno acontece dentro de uma pessoa e fora dela ao mesmo tempo e sem nenhuma ligação lógica aparente.

Na sincronicidade, portanto, o interior e o exterior como que se combinam para formar um acontecimento. Aliás, essa intrigante troca de energias entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo é confirmada pela física moderna, melhor dizendo, pelas descobertas da física quântica. Hoje, os físicos sabem da interferência do observador na observação do fenômeno com o qual está trabalhando, até então no modelo mais antigo de ciência, acreditava-se em uma observação totalmente objetiva sem nenhuma interferência do observador.

Sabe-se hoje que o tomar consciência de algo seria assim, um poderoso ato criativo no qual a realidade objetiva e a subjetiva se combinam para formar um evento. Dentro dessa visão, não seria de todo infundada a crença popular no mau olhado capaz de secar flores e afetar o crescimento das plantas.

O fato é que uma intensa energia parece existir entre nosso psiquismo e o mundo à nossa volta. Do ponto de vista fenomenológico, nenhum acontecimento pode ser isolado do contínuo de energia que abrange toda a realidade.

Qualquer evento, em qualquer nível, em qualquer lugar, é influenciado e influencia o mais. O tempo inteiro você está vivendo energias ou dinamismo que de alguma forma se exteriorizam e mobilizam outras. Estamos todos como que dentro do mesmo oceano energético e trocas de energia são intrínsecas à própria vida.

A experiência clínica nos mostra, por exemplo, que quem se encontra num processo de autodestruição sempre acha uma maneira de exteriorizar isso.
Batendo o carro, por exemplo, criando uma doença. O próprio desequilíbrio energético entre duas pessoas termina se manifestando.

À luz da teoria da sincronicidade, fica sempre muito relativo falar em mera coincidência, puro acaso. Correto seria dizer que de alguma maneira produzimos energias tanto para nossas melhores coincidências como para nossas piores ações. E aquilo que chamamos de sorte ou azar está mais ligado ao nosso estado interior do que a um destino caprichoso sem rosto.

A concepção Junguiana de sincronicidade é de que, mediante uma silenciosa e misteriosa troca de energias, nosso estado interior está ativamente ligado a objetos e acontecimentos à nossa volta. Mas é preciso entender bem o que Jung considera sincronicidade. Não se trata, por exemplo, de relações de causa e efeito entre o mundo subjetivo e o objetivo.
As relações de causa e efeito apenas produzem o que poderíamos chamar de fenômenos normais. Como quando alguém diz: eu estava falando da alta do dólar e de repente o preço dos importados tinha aumentado. Ora, num tempo de alta flutuação cambial, é perfeitamente lógico que um dos efeitos seja o aumento dos importados.

Escrever para um amigo e receber a resposta é muito diferente de apenas acordar pensando muito nele e à tarde receber outra carta. A sincronicidade é sempre uma coincidência acausal.

Ela é o encontro de duas cadeias paralelas de causa e efeito. O acontecimento exterior vem sempre reforçar, ilustrar, ampliar uma busca interna marcante. No caso da paciente de Jung, o escaravelho na janela veio reforçar o desejo que aquela mulher tinha de entender o significado lógico e racional da presença do inseto em seu sonho.

Jung viu neste caso um fenômeno de sincronicidade - fato interior gerando um fato exterior.

Tanto que abriu a janela, pegou o inseto e disse: eis o seu escaravelho. Ele era o símbolo vivo de que aquela mulher devia despertar para vivências de dimensões da realidade que estão fora da lógica, do tempo e do espaço. Longe de ser uma pura relação de causa e efeito, tipo aumento do dólar, aumento dos importados, a sincronicidade significa uma vivência ilógica, muda, secreta, pessoal.

Muitas vezes decisiva, mas difícil de ser percebida em sua totalidade no momento que acontece. Só de um outro ponto de vista pode ser integralmente compreendida, assimilada, contada. Às vezes é
preciso até viver muitos anos para, olhando o passado, dizer: como aquele fato, aquele dia foi importante, a vida inteira parece que só me preparei para ele.

Como aprender a ter sorte?

Preparar-se para sincronicidades felizes. Aprender a ter sorte. Será isso possível? Como mobilizar energia para que a grande rede da vida se teça a nosso favor, para que o mundo à nossa volta não se torne uma ameaçadora teia de azares? Aqui não há receitas. Mas eu diria que certa sincronicidade interna, certo "estar bem consigo mesmo" tende a produzir coincidências felizes.

Pessoa sincrônica é aquela que tem suas necessidades internas alimentadas pela realidade exterior. Ela se conhece bem, sabe o que quer, caminha na direção do que precisa e assim cedo ou tarde, a vida se move a seu favor. Quem pelo contrário é infiel às suas verdades internas, finge em relação a si próprio, não sabe o que quer, arrisca-se a entrar neste campo de energias contraditórias, negativas, a que costumamos chamar de azar. Veja só a figura do azarado:

O sujeito que bate o carro, briga com a namorada, com o amigo, chega em casa, encontra duas multas e um aviso do cartório de protestos. Tudo o leva a concluir:
é... o mundo está contra mim...
Ou a má fase não estará refletindo sua dissincronicidade, uma desarmonia interna, um não saber o que se quer.

Ouvir bem seus desejos é fundamental para uma fiel relação de energias com a vida.

O que a gente de fato quer, nem sempre corresponde àquilo que a gente pensa que quer.


*Doucy Douek é psicóloga clínica, há mais de 25 anos, com especialização em Psicoterapia pela PUC-SP. Facilitadora Certificada em Respiração Holotrópica pelo Grof Transpersonal Training. Pioneira na introdução desta abordagem no Brasil.